Perdão Como Caminho à Paternidade Espiritual
“Perdão é o amor praticado entre pessoas que amam defeituosamente”.
Um dos caminhos que levam à paternidade espiritual é o perdão. É mediante o perdão constante que nos tornamos semelhantes ao Pai. Perdoar de coração é muito, muito difícil. É quase impossível. Jesus disse aos seus discípulos: “Se [teu irmão] por sete vezes no dia pecar contra ti, e sete vezes vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe” (Lc 17.4).
Muitas vezes eu já disse: “Eu lhe perdôo”, mas mesmo quando dizia essas palavras, meu coração permanecia zangado ou ressentido. Eu ainda queria ouvir que eu, afinal de contas, estava certo; ainda queria ouvir justificativas e desculpas, ainda queria ter a satisfação de receber de volta elogios – pelo menos o reconhecimento de ser tão magnânimo em perdoar!
Mas o perdão de Deus é incondicional; vem de um coração que não pede nada para si mesmo; um coração totalmente vazio de pretensões próprias. É esse perdão divino que devo praticar na minha vida diária. Para fazer isso, é preciso que eu ignore todos os meus argumentos e instintos que dizem que a clemência não é sábia, é pouco saudável e pouco prática. O perdão divino conclama-me a deixar de lado toda a minha necessidade de gratidão e de reconhecimento. Finalmente, pede-me que eu passe por cima daquela parte do meu coração que está magoada e ofendida e que deseja manter controle, colocando umas tantas condições entre mim e aquele a quem devo perdoar.
Esse “passar por cima” é o verdadeiro exercício do perdão. Talvez seja mais um “galgar por cima” do que “passar por cima”, porque os obstáculos interiores são enormes. Muitas vezes já tive que transpor a barreira dos argumentos e sentimentos de irritação que erigi entre mim e todos aqueles que eu amo e que com freqüência não correspondem ao meu amor. É a barreira do medo de ser usado ou magoado novamente. É o muro de orgulho e de querer manter o controle. Contudo, todas as vezes que consigo passar por cima desse muro, entro na casa onde habita o Pai e lá me aproximo do meu semelhante com amor sincero e misericordioso.
Há, porém, um tremendo vazio nessa paternidade espiritual. Não há poder, não há sucesso, não há popularidade nem fácil satisfação. Ao mesmo tempo, esse enorme vazio é também o lugar de verdadeira liberdade. É o lugar onde não há “nada mais a perder”, onde o amor não tem amarras e onde se encontra verdadeira força espiritual.
Cada vez que me ponho em contato com esse vazio, terrível mas proveitoso, sei que ali posso acolher qualquer pessoa sem condená-la – e oferecer-lhe esperança. Ali me sinto livre para receber os pecados de outros sem precisar avaliar, classificar ou analisar. Ali, num estado de espírito totalmente isento de julgamento, posso engendrar confiança libertadora em outras pessoas.
Cada vez que encontramos essa vacuidade sagrada do amor que nada exige, os céus e a terra tremem e “há júbilo diante dos anjos de Deus” (Lc 15.10). É a alegria pelos filhos e filhas que voltam. É a alegria da paternidade espiritual.
Como uma pessoa que sempre se rejeita e procura afirmação e afeto, acho impossível amar consistentemente sem pedir algo de volta. Mas o objetivo é precisamente desistir de que eu mesmo consiga isso como uma proeza heróica. Para entrar verdadeiramente na paternidade espiritual e na conseqüente autoridade compassiva, tenho de deixar que o rebelde filho mais jovem e o ressentido filho mais velho [da parábola do filho pródigo], que se encontram em todos nós, subam à plataforma para receber o amor incondicional, misericordioso que o Pai me oferece, e descobrir ali o chamado para estar em casa assim como meu Pai está em casa.
Dessa forma, ambos os filhos em mim podem gradativamente ser transformados no Pai misericordioso. Essa transformação leva-me à realização do mais profundo desejo do meu coração inquieto. Pois que alegria maior posso ter do que estender meus braços cansados e deixar minhas mãos descansarem sobre os ombros dos meus filhos [espirituais] que estão no caminho de volta para casa, abençoando-os?
por Henri Nouwen
Postado por Roberto
Fonte: Revista Impacto
Abraço
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