sexta-feira, 25 de junho de 2010

PERIGO DA HUMILDADE

O Perigo da Humildade (para o Reino das Trevas) 

Extraído de “Cartas de um Diabo a Seu Aprendiz”. Trecho de uma carta do diabo experiente Fitafuso ao aprendiz Vermibile, com conselhos para vencer determinados “pacientes” (cristãos). 

(...) O seu paciente tornou-se humilde; você já tentou chamar-lhe a atenção para o fato?

Todas as virtudes são menos terríveis para nós se o homem estiver ciente delas, mas isso é particularmente verdadeiro no caso da humildade. Tente pegá-lo naquele momento em que ele estiver bem pobre de espírito, e sorrateiramente enfie na cabeça dele esta agradável reflexão: “Céus, estou sendo humilde”.

Você verá que quase imediatamente o orgulho – o orgulho pela sua própria humildade – aparecerá. Se ele perceber o perigo e tentar sufocar essa nova forma de orgulho, faça-o ficar orgulhoso de sua tentativa – e assim por diante, em quantos níveis desejar.

Mas não use esse método durante muito tempo, pois você poderá despertar seu senso de humor e proporção e, nesse caso, ele simplesmente rirá de você e irá para a cama dormir.

Existem, porém, outros métodos eficazes para fixar a atenção dele sobre a virtude da Humildade. Por meio dessa virtude, assim como por todas as outras, o nosso Inimigo [Deus] busca desviar a atenção do homem de si mesmo para Ele e para seus semelhantes. Toda a humildade e repulsa por si próprio que um humano pode sentir existem, a longo prazo, apenas para este fim; a não ser que alcancem o seu objetivo, elas causam pouco dano; e podem até mesmo ser de grande ajuda para nós se mantiverem o homem preocupado consigo mesmo e, acima de tudo, se a repulsa por si próprio puder ser transformada no ponto inicial para sentir desprezo pelos outros e, a partir daí, para chegar à melancolia, ao sarcasmo e à crueldade.

Você deve, portanto, esconder de seu paciente a verdadeira finalidade da Humildade. Deixe-o pensar nela não como o ato de esquecer de si mesmo, e sim como um certo tipo de opinião (ou seja, uma opinião rasteira) sobre seus próprios talentos e seu caráter.

Suponho que ele tenha algum talento. Inculque em sua mente a idéia de que a humildade consiste em tentar acreditar que esses talentos são menos valiosos do que ele acredita que são. Sem dúvida, eles são de fato menos valiosos do que ele acredita, mas não é esse o ponto. A grande diferença é fazê-lo dar valor a uma opinião por alguma razão que não seja a verdade, introduzindo, assim, um elemento de desonestidade e faz-de-conta no âmago daquilo que, de outro modo, poderia tornar-se uma virtude.

Com esse método, fomos capazes de fazer com que milhares de humanos pensassem que a humildade significa aquilo que sentem as mulheres bonitas que tentam acreditar que são feias, ou os homens inteligentes que tentam acreditar que são tolos. E já que aquilo em que tentam acreditar pode, em alguns casos, ser um absurdo completo, eles não conseguirão, e aí está a nossa oportunidade para fazer com que quebrem a cabeça para tentar alcançar o impossível.

É preciso antes avaliar os objetivos do Inimigo para prever sua estratégia. O Inimigo quer deixar o homem num estado de espírito no qual ele poderia projetar a melhor catedral do mundo, ter consciência de que é a melhor, alegrar-se com o fato, e ainda assim não ficar nem um pouco mais (ou menos) contente por tê-la feito do que ficaria se a catedral tivesse sido projetada por outra pessoa. 

O Inimigo quer que ele, no fim das contas, livre-se de toda predisposição em proveito próprio para que possa alegrar-se com o próprio talento com a mesma gratidão e sinceridade que sentiria ao testemunhar o talento do seu semelhante – ou ao ver um pôr-do-sol, um elefante, uma cachoeira. Ele quer que cada homem seja a longo prazo capaz de reconhecer todas as criaturas (mesmo ele próprio) como coisas maravilhosas e extraordinárias.

Ele quer matar o amor-próprio animal que existe neles o mais depressa possível; mas é sua política de longo prazo, receio eu, restituir-lhes um novo tipo de amor-próprio – uma caridade e gratidão por todos os seres, incluindo eles próprios; quando, finalmente, aprenderem a amar o próximo como a si mesmos, terão permissão para amar a si mesmos como a seus próximos.

Pois jamais devemos nos esquecer da mais repugnante e inexplicável característica do nosso Inimigo: ele realmente ama esses bípedes implumes que criou e sempre devolve a eles com a mão direita aquilo que tomou deles com a esquerda.

O seu objetivo, portanto, é fazer com que o homem pare completamente de se concentrar no seu próprio valor. O Inimigo preferiria que um homem considerasse a si próprio um grande arquiteto, ou um grande poeta, e depois esquecesse completamente do assunto, a que gastasse seu tempo e sua energia tentando acreditar que é um arquiteto ruim ou um poeta medíocre.

Assim, sempre que você tentar instilar no seu paciente a altivez e a falsa modéstia, ele será defendido pelo Inimigo, que o fará lembrar-se de que em geral um homem não deve sentir-se tentado a ter nenhuma opinião sobre suas próprias qualidades, já que ele pode muito bem continuar a melhorá-las o máximo que puder, e não se preocupar em decidir qual exatamente seria o seu lugar no templo da Fama.

Custe o que custar, você deverá tentar eliminar essa advertência da consciência do seu paciente. O Inimigo também tentará fixar na mente dele uma doutrina que todos eles professam mas acham difícil de adaptar a seus sentimentos – a doutrina de que eles não criaram a si mesmos, que receberam seus dons como dádivas, e que poderiam muito bem, se não fosse assim, ter orgulho da cor de seus próprios cabelos.

Mas o objetivo do Inimigo, independentemente do método, sempre será fazer o seu paciente deixar de se preocupar com essas questões, e o seu papel é fazê-lo pensar nelas. O Inimigo nem sequer deseja que um homem pense demais nos próprios pecados: uma vez arrependido, quanto mais depressa ele deixa de prestar atenção em si mesmo, mais satisfeito fica o Inimigo.                                               
por C. S. Lewis
Postado por Roberto
Fonte: Revista Impacto

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