Falando através de Seu profeta Jeremias, o Senhor insistiu que antes quebraria Sua aliança com relação ao ciclo do dia seguido pela noite, do que Sua promessa de restaurar Israel à sua terra (Jr 33.25-26). |
Quando Abrão obedeceu a Deus e partiu de sua amada terra natal, Deus o guiou a uma nova terra, exatamente como tinha prometido. Logo que Abrão chegou a ela, o Senhor (Yahweh, Javé) lhe apareceu e disse: “Darei à tua descendência esta terra” (Gn 12.7). Desde o momento em que chegou àquele pequeno pedaço de terra às margens do Grande Mar, a identidade de Abrão – bem como a de seus descendentes – ficou ligada àquele lugar.
A promessa daquela terra, feita pelo Senhor em Gênesis 12.7, foi a primeira de muitas. Por várias e várias vezes Ele reiterou Sua promessa de aliança com a nação descendente de Abraão. Por muitas vezes, esses lembretes e reafirmações do relacionamento através da aliança incluíram referências explícitas à terra que Deus havia prometido àquele povo. Somente no livro de Deuteronômio, enquanto o povo estava na divisa da terra, o Senhor lhe lembrou dezoito vezes que a havia prometido a ele. O tema é tão constante que ha-aretz (a terra, em hebraico) é o quarto substantivo mais usado no Antigo Testamento.
Por diversas vezes, inclusive de forma dramática, a promessa foi reiterada. Quando Yahweh firmou a aliança com Abraão, passando em meio aos pedaços de animais sacrificados a fim de estabelecer a inviolabilidade de Suas promessas, a garantia específica foi: “À tua descendência dei esta terra” (Gn 15.18).
Mais tarde, falando através de Seu profeta Jeremias, o Senhor insistiu que antes quebraria Sua aliança com relação ao ciclo do dia seguido pela noite, do que Sua promessa de restaurar Israel à sua terra (Jr 33.25-26). Resumindo, a realidade das promessas não pode ser negada. A terra, e tudo o que ela contém, pertence a Yahweh (Sl 24.1), porém, Deus fala de uma forma especial sobre o pequeno Israel: “a terra é minha” (Lv 25.23). Deus é o dono daquela terra, e Ele a deu a Israel. As Suas promessas concedendo aquela terra a Israel são eternas, imutáveis e irrevogáveis (Hb 6.13-18).
Contudo, entre os que crêem na Bíblia há ainda hoje um grande debate sobre a questão se os judeus têm ou não o “direito” a Eretz Israel (a terra de Israel). Lendo as Escrituras, muitos cristãos questionam a afirmação de que Israel tem, de fato, ainda hoje, o direito dado por Deus de possuir a terra que Ele lhe prometeu tantas vezes e tão claramente. Assim, eles também negam que os crentes tenham o dever de apoiar Israel em sua luta. Qual a razão disso?
Acho que existem três explicações possíveis:
Lendo as Escrituras, muitos cristãos questionam a afirmação de que Israel tem, de fato, ainda hoje, o direito dado por Deus de possuir a terra que Ele lhe prometeu tantas vezes e tão claramente. |
A primeira é pura e simples negligência. Um número espantoso de filhos de Deus sinceros e nascidos de novo, simplesmente não dá muita importância ao relacionamento atual entre Deus e o Seu povo escolhido. Na verdade, uma das decepções mais lamentáveis e impressionantes quando analisamos a história cristã é constatarmos a capacidade dos crentes do Novo Testamento de esquecer que, espiritualmente, estão sendo levados nos ombros do povo com quem Deus celebrou a aliança – Israel.
Essa tendência de amnésia espiritual tornou-se menos expressiva no século passado, devido à grande obra que Deus realizou restaurando Israel à sua terra. Mas, mesmo assim, ainda existem muitos que, ao ponderarem a questão do direito dos judeus ao pequeno pedaço de terra que hoje possuem em parte, não param para considerar as promessas das Escrituras que dizem respeito a esse assunto.
A segunda explicação é “a teologia da substituição”. Ela ensina que “a Igreja tomou o lugar de Israel enquanto nação, como receptora das bênçãos de Deus”, dizendo que “a Igreja cumpriu os termos das alianças feitas com Israel, que os judeus rejeitaram”, e que, portanto, a nação judaica perdeu todo e qualquer direito que possuía com base nas promessas que Deus lhe fizera.[1]
Embora este não seja o momento para discutir tal assunto, é suficiente dizer que a teologia da substituição começa onde deveria terminar, e termina onde nunca deveria ter chegado. Isto é, ela começa com o Novo Testamento, insistindo que o Antigo Testamento não tem significado algum, a não ser quando interpretado pelo Novo Testamento. Dizendo que Jesus e os apóstolos são a única fonte confiável da verdade, a teologia da substituição conclui que, se o Novo Testamento [supostamente] mostra que algo no Antigo Testamento não era o que Deus realmente queria dizer, teremos de aceitar que o Novo Testamento pode desmentir o que consta no Antigo Testamento.
Por outro lado, a teologia da substituição termina insistindo que as promessas de Deus não são tão confiáveis como aparentam ser. Porém, é melhor deixar que a Bíblia fale por si mesma, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. É melhor reconhecer que Jesus, que é a verdade, não se referiu a Si mesmo como uma fonte de verdade mais segura que as Escrituras. Ele nunca teria ensinado nada contrário às afirmações claras das Escrituras hebraicas que tanto amava.
É melhor lembrar que, qualquer que seja a parte das Escrituras que estivermos estudando, Deus espera que relacionemos tudo que Ele revelou no passado e que tratemos essa revelação anterior não como uma massa qualquer a ser moldada da forma que quisermos, mas como palavras do próprio Deus, que têm autoridade e são verdadeiras.
As promessas de Deus são verdades eternas. Elas não podem ser adulteradas ou postas em dúvida por nada e por ninguém, muito menos pelas palavras posteriores do mesmo Deus imutável!
A “teologia da substituição” diz que “a Igreja cumpriu os termos das alianças feitas com Israel, que os judeus rejeitaram”, e que, portanto, a nação judaica perdeu todo e qualquer direito que possuía com base nas promessas que Deus lhe fizera. |
Mas ainda há uma terceira explicação para o ceticismo de alguns cristãos quanto ao direito dos judeus sobre a terra que Deus lhes prometeu. Eles alegam que a nação de Israel foi posta de lado judicialmente, de forma temporária.
Na verdade, Deus não rejeitou permanentemente o Seu povo (Rm 11.1), mas os ramos naturais foram quebrados e um dia eles serão enxertados novamente (Rm 11.19-24). Admitindo o fato de que, no futuro, a nação será restaurada em sua terra, alguns cristãos acreditam, mesmo assim, que o julgamento atual de Israel mostra que os judeus perderam temporariamente seus direitos sobre a terra.
Portanto, os crentes não são obrigados a apoiar Israel em sua luta.
Entretanto, essa perspectiva é seriamente equivocada. Ela reconhece corretamente que, de alguma forma profunda, Deus deixou Israel de lado, e que hoje o povo judeu não goza do mesmo relacionamento da aliança que já teve com o Senhor. Além disso, essa posição vê o julgamento de Israel, corretamente, como apenas temporário e, portanto, compartilha da esperança de seu arrependimento nacional e da sua restauração.
Ela ignora, contudo, o que a Palavra de Deus diz sobre o relacionamento entre Deus e os judeus durante este período em que Israel está temporariamente cego.
Como devemos compreender o relacionamento atual de Deus com Israel? Na minha opinião, o melhor lugar para se procurar ajuda a respeito desse assunto é o notável e agradável livro de Ester. De fato, sua história é tão encantadora que o foco teológico e histórico central acaba passando despercebido. Esse ponto central fala sobre o assunto de que estamos tratando.
Pense rapidamente sobre a história: Ester, uma jovem judia, foi participar de um concurso de beleza, o que era totalmente inadequado para quem estava proibida de se casar com alguém que não compartilhasse da mesma fé. Se ganhasse o concurso, ela se casaria com o rei e se tornaria rainha da Pérsia. Mordecai, seu primo mais velho e pai adotivo, era um funcionário da corte do rei e aconselhou Ester a manter sua identidade judaica em segredo, para que pudesse sobreviver, caso necessário, no mundo dos gentios.
Afinal, essa tinha sido a estratégia do próprio Mordecai. Então, Hamã criou uma trama terrível para matar todos os judeus daquela terra. Quando Mordecai soube a respeito, repentinamente sua herança judaica tornou-se mais importante para ele e o levou a buscar fazer tudo que estivesse ao seu alcance para impedir tal atrocidade.
Como Ester estava em uma posição estratégica, eles elaboraram juntos um plano para revelar ao desapercebido soberano a maldade que estava para acontecer no seu reino. O problema é que Ester não se encontrava bem preparada para o papel que teria de desempenhar, e o plano teria realmente fracassado se não fosse por uma série de coincidências absolutamente impressionantes.
Por acaso, o rei não conseguiu dormir e mandou chamar seus servos para lerem o livro de registro das crônicas. Por acaso, eles leram um trecho que falava sobre uma ocasião em que Mordecai tinha salvado a vida do rei. Mais tarde, naquela noite, aconteceu que o rei, cujo coração já era favorável a Mordecai e Ester, ficou sabendo do plano maligno de Hamã e que Mordecai e Ester eram judeus. Enraivecido com a atitude de Hamã, o rei ordenou a sua execução. Por coincidência, ele foi enforcado na própria forca que havia mandado construir naquele dia [para matar o judeu Mordecai].
Ester diante de Assuero. Pintura de Nicolas Poussin. |
Creio que o Senhor deseja que leiamos o livro de Ester como a representação do grande paradigma do Seu relacionamento com o povo da aliança – e do relacionamento dos judeus com Ele – durante os anos em que estiverem “deserdados” judicialmente da bênção completa dessa aliança.
Considere os paralelos: no livro de Ester, os personagens principais são duas pessoas de origem judaica, que haviam abandonado seu relacionamento com Deus e estavam determinados a fazer o possível para ter sucesso no mundo gentio. Mas ainda havia um resquício de judaísmo neles, que se manifestou na determinação em não permitir que o povo judeu fosse destruído.
O paralelismo com a realidade do povo judeu nestes últimos dois mil anos não poderia ser mais exato. Seja por escolha própria ou por coação, os judeus tiveram de conquistar seu espaço em um mundo gentio hostil, e conseguiram mostrar que são muito habilidosos neste aspecto. Durante séculos, uma das ameaças mais constantes para a sobrevivência do povo judeu se encontra dentro deles mesmos: o impulso de assimilação. Mas quando surgia uma ameaça externa, a assimilação era abandonada, o judaísmo era orgulhosamente reafirmado e todas as energias eram direcionadas para libertação do povo de qualquer destruidor.
Agora, voltemos ao livro de Ester. O que nos chama mais a atenção nesse livro? O nome de Deus nunca é mencionado. Isso não foi porque Ele não estava agindo; mas porque se ocultava de todos, menos dos que criam nEle. Na verdade, foi Yahweh que tirou o sono daquele monarca e que guiou as mãos dos servos enquanto desenrolavam os rolos dos registros das crônicas. Resumindo, foi Deus quem libertou os judeus de Hamã, tanto quanto foi Deus quem libertou os judeus de Faraó. No caso de Hamã, contudo, é necessário ter os olhos da fé para ver a mão do Todo-Poderoso em ação.
Apesar de desprezado e perseguido nestes últimos dois mil anos, Israel sobreviveu como um povo. Nos últimos cinqüenta anos, foi vitorioso em três memoráveis guerras e continua a sobreviver como nação. |
Voltando para Israel nestes últimos dois mil anos: desprezado e perseguido, apesar disso sobreviveu como um povo. Nos últimos cinqüenta anos, foi vitorioso em três memoráveis guerras e continua a sobreviver como nação. Os não-crentes e céticos atribuem essas vitórias à coragem do povo e à pura sorte; os crentes reconhecem novamente a mão discreta mas poderosa de Deus, que prometeu preservar o Seu povo.
Agora, retornemos à questão inicial: os crentes devem apoiar Israel em sua luta pela terra? Creio que a mesma pergunta pode ser feita de uma forma um pouquinho diferente: se vivesse na corte persa há 2.500 anos atrás, você estaria do lado de Hamã ou do lado de Ester?
(Douglas Bookman - Israel My Glory - http://www.beth-shalom.com.br).
Douglas Bookman é palestrante de The Friends of Israel.
Nota:
1. H. Wayne House, “A apropriação das bênçãos de Israel por parte da Igreja” Israel: The Land and the People, p.78).
Publicado anteriormente na revista Notícias de Israel, setembro de 2003.
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