domingo, 28 de março de 2010

A FERIDA DO PAI

A Ferida do Pai - 


 “Vejam, eu enviarei a vocês o profeta Elias antes do grande e temível dia do Senhor. Ele fará com que os corações dos pais se voltem para seus filhos, e os corações dos filhos para seus pais; do contrário, eu virei e castigarei a terra com maldição” (Ml 4.5,6, NVI).

 Em 1990, numa reportagem especial do canal PBS da TV norte-americana, o poeta secular Robert Bly impugnou décadas de confusão entre os gêneros (masculino e feminino) com uma declaração inquietante. O homem médio hoje, segundo ele, aprendeu bem de sua mãe como abraçar seu lado “mais meigo e feminino”, tornando-se afável e receptivo. Entretanto, não aprendeu a abraçar seu lado mais “decidido e masculino”, porque seu pai fora ausente emocional e, muitas vezes, fisicamente também.

 Sem um pai para ancorá-lo em sua identidade masculina, declarou Bly, o homem se abdica do seu destino e procura na mãe ou na esposa a definição de sua natureza e propósito. No fim, acaba adotando uma falsa feminilidade e torna-se passivo.

 O texto de Malaquias, citado acima, contém as últimas palavras da Velha Aliança. De modo significativo, a promessa ali afirmada – e a advertência também – formam uma espécie de portal de entrada para a Nova Aliança, um limiar para a vinda do Messias. A implicação é que a desintegração de relacionamentos entre pais e filhos neste mundo reflete a quebra de contato entre a humanidade e Deus. É por isso que a restauração do relacionamento com o Pai constitui, na realidade, o foco principal do poder redentor de Deus neste mundo e da missão de Jesus na Terra (Jo 14.8-13). 

 O Que é a Ferida do Pai?

 A ferida do pai retratada no texto de Malaquias é a diferença entre o que seu pai natural lhe deu e o que Deus Pai quer lhe dar. Portanto, todo homem sente o ardor dessa ferida.

 Nenhuma dor fere o coração do homem mais profundamente do que o abandono emocional e/ou físico do pai. Para os homens, a ferida do pai é uma maldição mortal. Conseqüentemente, nenhuma dor invoca mais diretamente o poder redentor de Deus Pai.

 É por essa razão que a visão escatológica de Deus enfoca tão claramente a cura dessa dor – como se vê no texto de Malaquias. E é por isso que o inimigo de Deus usa todos os recursos do inferno para nos fazer negar não só a ferida do pai em si, mas a própria paternidade de Deus.

 Como homem, talvez eu não possa avaliar corretamente o que a ferida do pai e a maldição resultante significam na vida de uma filha. Contudo, posso afirmar que para os homens não se trata de um mero conceito abstrato da Teologia ou da Psicologia. É uma realidade paralisante que – só para começar – torna o homem inapto junto com a mulher, desconfiado de outros homens, míope em sua visão de Deus e, conseqüentemente, desconectado do seu destino.

 O pai chama para fora o elemento masculino no seu filho. Sem essa entrada essencial do pai, o filho não consegue se ver mais adiante como homem. Rapidamente, pavorosamente a lacuna entre a sua insuficiência como homem e a imagem do que deseja se tornar é tomada por vergonha. Seu espírito clama para que o pai venha salvá-lo. Sem outros homens para apresentá-lo ao “Pai de quem toma o nome toda paternidade, tanto no céu como na terra...” (Ef 3.14,15; “paternidade”, sentido original da palavra “família”), seu clamor ecoa no vazio. 

 Entra, então, o pai da mentira (Jo 8.44), e promete cobrir essa profunda vergonha nos homens de hoje através de impulsioná-los a uma variedade de comportamentos compulsivos e dependências, que vão desde drogas e pornografia ao excesso de trabalho (conhecido em inglês como workaholism ou vício do trabalho) e legalismo religioso.

 A ferida do pai é uma ferida de ausência. Por esse motivo, é mais difícil ser reconhecida do que outras feridas e é, em última análise, mais destrutiva.

 “Ainda estou esperando que meu pai converse comigo sobre sexo e sucesso, dinheiro e casamento, religião e criação de filhos”, um editor de revista confessou após a morte de seu pai. “A vergonha é que não conheço um homem de minha idade que não se sinta como se estivesse navegando na vida sem mapa.”

 Há alguns anos, pouco antes do nascimento do meu filho, falei com 350 pais numa conferência de homens organizada por uma igreja grande e bem conhecida na Califórnia. Confessando meus temores e sentimentos de insuficiência como pai, fiz-lhes a seguinte pergunta: “Quando seu primeiro filho nasceu, quantos receberam manifestações de apoio, encorajamento ou conselho construtivo do pai?”

 Somente cinco levantaram as mãos.

 Abismado, resolvi testar esta estatística nas minhas palestras em outras conferências cristãs para homens. Em todos os lugares, a proporção permaneceu mais ou menos igual: um ou dois em cada cem.

 Num outro retiro de 150 homens, perguntei: “Quando eram adolescentes, seu pai alguma vez conversou particularmente com vocês para ajudá-los em sua sexualidade?”

 Duas mãos levantadas.

 Depois de dez anos fazendo conferências com homens em todo o país, as proporções não mudaram muito.

 Pense novamente sobre a profecia de Malaquias. É alguma surpresa constatar que como pais e na nossa sexualidade nós homens estamos freqüentemente ajudando a cumprir a maldição profética de destruição?

 Você pode matar um organismo vivo, como uma planta, de duas maneiras. Você pode ativamente destruí-la. Cortá-la, esmagá-la, pisoteá-la.

 Mas, existe uma outra forma: Simplesmente abandone-a. Não a regue.

 De qualquer uma das duas formas, morrerá.

 O abandono mata.

 Nós homens estamos transmitindo o impacto mortal da ausência do pai ao mundo à nossa volta, causando desde abortos e doenças sexualmente transmitidas a violência e músicas de ódio às mulheres.

 De Onde Vem a Solução?

 Na medida em que os homens cristãos fogem de enfrentar a ferida do pai, nós abdicamos ao mundo o nosso chamamento sagrado de proclamar o verdadeiro Pai de todos. E toma o nosso lugar o movimento de homens secular.

 Separados de Deus Pai, os homens seculares só podem responder dentro de sua própria visão humana, centrada em si mesmos. São homens que não querem causar mal à Terra ou começar guerras ou ser donos de grandes empresas... mas ainda há algo de errado. Muitos desses homens são infelizes, não há energia neles. São preservadores da vida, mas não fontes de vida.

 “Nós queríamos que os homens ficassem mais sensíveis”, uma amiga minha, profissional de carreiro, lamentou para mim. “Mas não queríamos que se tornassem passivos.”

 Esse terrível vácuo no coração dos homens que não tiveram o verdadeiro acompanhamento de um pai precisa ser preenchido com algo autêntico, pois do contrário acabaremos destruindo a nós mesmos e as mulheres também. Como nenhum de nós tem esse “algo” necessário, precisa vir de algum outro lugar.

 “O que adianta se ajuntar a outros homens?”, perguntou um homem que fora convencido por um amigo a participar de uma de minhas conferências. “Quero dizer, se todos nós estamos tão destruídos e vazios assim, como podemos receber algo juntos que nenhum de nós tem individualmente?”

 Aquele homem estava próximo ao Reino de Deus. Estava fazendo as perguntas certas.

 Quebrados, nós homens não podemos curar a nós mesmos (Rm 7.18). Ao mesmo tempo, se quisermos encontrar hombridade autêntica, esse “algo” que está faltando não poderá vir das mulheres. Já tentamos e não deu certo.

 É exatamente este impasse que prepara o momento que Deus tem planejado para se revelar como Pai e dar aos homens seu real destino como filhos.

 Aqui, finalmente, diante do quadro total e aterrorizante da nossa insuficiência, surge o clamor que gerará o verdadeiro movimento de hombridade: “Quem me livrará do corpo desta morte?” (ou “do corpo que está me levando à morte” - Rm 7.24).

 De fato, precisamos de intervenção sobrenatural. Claramente, o mover que trará cura aos corações dos homens requer poder espiritual. A ferida da ausência do pai pode ser identificada por simples honestidade humana e aliviada por sincera lamentação. Entretanto, só poderá ser curada, ao ponto de se recuperar o verdadeiro destino, através da presença do pai – o que nenhum poder humano pode suprir. Só Jesus, então, pode curar a ferida do pai, porque só ele pode vencer nossa natureza pecaminosa e restaurar relacionamento com o verdadeiro e sempre presente Pai de todos nós (Jo 14.6-14).

 Somente a dignidade da filiação pode superar a vergonha do abandono (Rm 8.14-16; Sl 27.10). 

 Tentando Encobrir a Ferida

 Nossa tarefa como homens cristãos é clara: nem exaltar hombridade, como fazem os religiosamente corretos, nem denegri-la, como fazem os politicamente corretos, mas resgatá-la – ou seja, restaurar a hombridade à sua verdadeira e original vitalidade, como somente aqueles que conhecem o Criador podem fazer.

 Os homens que não levaram sua vergonha a Jesus não terão coragem de reconhecer esta importantíssima batalha em favor da verdade, porque não receberam o poder da ressurreição que vem do Pai para vencê-la. Ao invés disso, esconderão suas feridas, geralmente por trás de uma fachada religiosa que valoriza desempenho. Exortarão os homens a guardar os “dez princípios de hombridade santa” e os “cinco padrões de masculinidade bíblica”. Enfocarão a prática do bem porque têm medo de serem autênticos.

 Qualquer movimento de hombridade que não começa se esvaziando e se entregando diante da cruz só poderá crescer em torno de si mesmo e, no final, acabar se transformando em falsa espiritualidade – caindo, dessa forma, nas velhas armadilhas de idolatria masculina, desde a misoginia até o militarismo.

 O homem comum hoje anseia sentir-se seguro em sua hombridade. Entretanto, tem medo de enfrentar sua natureza pecaminosa que ameaça essa segurança porque já está quase afogando na vergonha do abandono que sofreu do pai.

 Quando o Verdadeiro se abdica, o Falso assola.

 Traído por relacionamentos, o homem se refugia em técnicas e tenta ansiosamente obter o controle. Desesperado por possuir hombridade, irado por não ter recebido do pai o que precisava para obtê-la, torna-se vulnerável a uma abundância de substitutos mundanos – e até religiosos – que prometem abafar a voz da vergonha, restaurar-lhe o controle e torná-lo, enfim, um verdadeiro homem.

 Vendo o Pai Como Deus o Vê

 Se, por outro lado, o homem clamar a Jesus e prosseguir apesar da dor até alcançar a verdade, ele pode confessar: “Eu preciso de um pai. Mas estou cansado de tentar achar vida no meu pai natural. Senhor, mostra-me meu pai como tu o vês”. Um homem que conheço orou assim e viu uma visão de um garotinho de muletas.

 O homem que for autêntico descobrirá que seu pai também foi abandonado quando garoto e que, por essa razão, foi incapaz de gerar hombridade nele. Verá que seu pai não é o inimigo, mas uma vítima assim como ele.

 Um garoto chora por causa das feridas do pai; o pai o machuca e ele chora. O homem chora em favor das feridas do pai, como intercessor. Isso o leva a sentir compaixão pelo pai e, pela graça, perdão. E, no final, leva-o à libertação do ciclo de destruição de uma geração a outra, a fim de poder andar no seu próprio e verdadeiro destino.

 Usando o Método da Velha Aliança ou da Nova?

 O homem que não confiar em Jesus para carregar sua vergonha, porém, tenta encobri-la através da religião – isto é, compensar a falta de relacionamento tanto com seu pai natural como com Deus Pai através de “fazer a coisa certa”. Ele exalta a pergunta artificial e civil da hombridade: “Como posso fazer?”. É apavorante demais deixar o garoto abandonado fazer a pergunta verdadeira do guerreiro do Reino: “Quem me resgatará deste corpo que está me levando à morte?” (Rm 7.24).

 O nosso problema como homens não é que somos ignorantes.

 Estamos morrendo.

 Entretanto, a maior parte do ensinamento cristão para os homens hoje simplesmente nos mostra o que devemos fazer, as terríveis conseqüências se não o fizermos e, talvez, os maravilhosos benefícios se conseguirmos fazer.

 É o tipo de ensinamento básico da Velha Aliança – um lembrete apropriado e necessário dos padrões de Deus para uma sociedade pagã e sem princípios. Como tal, é algo totalmente correto e necessário – porém, como Moisés sem Jesus, eternamente deficiente (Jo 1.17).

 Cristianismo não é, como os conservadores insistem, um código moral. Tampouco é, como os liberais insistem, uma ideologia.

 Cristianismo é um relacionamento com o Deus Pai vivo.

 Os grupos cada vez maiores de homens em estádios ou outros lugares públicos, confessando seus pecados diante de Deus, podem representar um novo movimento de hombridade. Dou graças a Deus por isso. Contudo, ao mesmo tempo que temos prometido padrões mais elevados de comportamento, precisamos prosseguir e apropriar a plenitude do que Jesus morreu para dar aos homens, ou seja, a filiação. Aqui está o verdadeiro alvo do movimento de hombridade, definido por esta verdade central da Nova Aliança: Jesus não veio nos dizer o que devemos fazer, mas, antes, mostrar-nos quem faz (Rm 7.21-25; veja também Ez 36.24-28; Fp 2.13; Rm 12.1,2; Ef 3.21).

 Esse autêntico mover de Deus entre os homens não é motivado pela vergonha que nos faz lutar para fazer o que é certo, mas pela graça que nos permite ser autênticos. É sustentado não por tentar atingir o padrão, mas somente pela confissão de que não somos capazes. Procede não de uma determinação de fazer “o que é certo”, mas do anseio de conhecer o verdadeiro Pai (Gl 5.1-6; Rm 7.18).

 Um verdadeiro homem é um homem que é autêntico. Só homens autênticos podem nos levar a essa hombridade da Nova Aliança – homens que tiveram a coragem de enfrentar a vergonha de sua própria impotência e que a entregaram a Jesus para que ele a assumisse sozinho.

 Nós homens precisamos hoje de líderes que não tenham medo que suas mentiras serão descobertas. Não aqueles que nos exortam a obedecer, mas que nos convidam a confiar. Não aqueles que nos ordenam a fazer o que é certo, mas que nos libertam por sua própria vulnerabilidade em ser autênticos. Não aqueles que nos advertem a ser fortes, mas que prometem a força do Pai.

 A verdadeira hombridade não é alcançada pelo esforço temeroso de atingir padrões de masculinidade ou princípios de hombridade – não importa o quanto sejam bíblicos, santos ou semelhantes a Cristo. É gerada em nós pelo Pai (Jo 1.12,13; 17.25,26).

 Este verdadeiro mover de hombridade está se despertando, até mesmo borbulhando, nos corações dos homens. Mas falta ainda irromper dentro das igrejas, em grande parte porque ainda não ousamos descobrir que a autodisciplina é fruto do Espírito – não um produto natural do nosso próprio esforço, mas uma conseqüência sobrenatural de entrega ao Pai (Gl 5.22).

 Como Paulo proclamou: “Porque não recebestes o espírito de escravidão para viverdes outra vez atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15).

 Que sejamos tão autênticos assim. 

 Este artigo foi publicado originalmente em “Fuller Theological Seminary Magazine” em março de 1998. Encontra-se atualmente no site do autor: www.abbafather.com.

 Gordon Dalbey é pastor, conferencista e autor de vários livros sobre o assunto de Hombridade em inglês, como “Healing the Masculine Soul” (“Curando a Alma Masculina”) e “Fight Like a Man” (“Lute Como um Homem”). Foi um dos preletores no primeiro evento dos “Promise Keepers” em estádio do Colorado, EUA, em 1992.


por Gordon Dalbey
 
Seja abençoado em nome de Jesus
 
Abraço
Roberto

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