quarta-feira, 31 de março de 2010

ESPERANDO EM DEUS PRA VALER

Esperando em Deus Pra Valer -

 "O que precisamos urgentemente nestes dias é de um grupo de cristãos que esteja preparado para confiar em Deus – agora – tão totalmente quanto será necessário no último dia. Para cada um de nós, certamente, está prestes a chegar o tempo em que não teremos outra saída senão Deus. Saúde, riqueza, amigos e segurança natural nos serão tomados, e nada teremos além de Deus. Para aquele que tem uma fé apenas aparente (pseudofé), esta é uma idéia apavorante, mas, para o que tem a fé verdadeira, é uma das idéias mais confortantes que o coração pode nutrir." A. W. Tozer em Verdadeiras Profecias, Editora dos Clássicos, São Paulo, 2003.

 Quanto a você, não sei, mas a minha tendência natural é ser impaciente. Odeio esperar. Não consigo compreender por que Deus ainda não liberou um genuíno despertamento espiritual no mundo, um rio fluindo de casa em casa, gerando igrejas nas quais a Presença de Deus se manifestasse, em que sinais e maravilhas fossem comuns e não-convertidos pudessem provar e ser tocados pelos poderes da era vindoura.

 Onde está o problema? Será que Deus não percebe o empenho com que estamos trabalhando? Será que não compreende a urgência da hora? Será possível que o Todo-Poderoso tenha menos pressa do que eu?

 É evidente que estou dizendo isso com ironia, mas essa atitude, de fato, pode ser encontrada nos mais diversos setores do povo de Deus hoje. Creio que o fracasso de muitos programas na igreja se deve à atitude bem-intencionada de pessoas que acham que atividade é o mesmo que ministério e que a obrigação da igreja é fazer algo para Deus. Um dos meus adesivos favoritos diz o seguinte: "Jesus está voltando! Corra e faça alguma coisa!" Ou, então, pense neste lema ministerial de um conhecido meu: "Deus está com pressa. Está esperando que comecemos a nos mexer!"

 Ah, é mesmo? Acho que perdi esse recado divino. Mas o que não perdi foram os mais de trinta recados de Deus sobre a importância e a bênção de esperar nele (veja esta relação a seguir: Gn 49.18; Sl 25. 3, 5, 21; 27.14; 33.20; 37.34; 39.7; 40.1; 52.9; 69.6; 106.13; 130.5; Pv 20.22; Is 8.17; 25.9; 26.8; 30.18; 33.2; 40.31; 49.23; 51.5; 60.9; 64.4; Jr 14.22; Lm 3.25; Os 12.6; Hc 2.3; Sf 3.8).

 Embora o espaço não permita um comentário individual sobre cada uma das passagens acima, quero despertar sua reflexão sobre o assunto, fazendo-lhe algumas perguntas.

 1. Você está disposto a esperar pela libertação de Deus?

 Esperei confiantemente pelo Senhor; ele se inclinou para mim e me ouviu quando clamei por socorro. Tirou-me de um poço de perdição, de um tremedal de lama; colocou-me os pés sobre uma rocha e me firmou os passos. E me pôs nos lábios um novo cântico, um hino de louvor ao nosso Deus; muitos verão essas coisas, temerão e confiarão no Senhor. Sl 40.1-3.

 Este é um dos meus salmos favoritos. Veja o que acontece aqui. Em resposta à espera do salmista, Deus fez cinco coisas: inclinou-se, ouviu, tirou, colocou e firmou! O resultado foi que muitos viram, temeram e confiaram. Você ou sua igreja estão precisando de uma libertação? Você gostaria que as pessoas olhassem para os tratamentos de Deus em sua vida e passassem a ver, temer e confiar? Você já ponderou a possibilidade de esperar em Deus?

 Veja a seguir uma outra citação de A. W. Tozer, da mesma obra mencionada no início deste artigo:

 Muitos de nós, cristãos, tornamo-nos extremamente habilidosos em organizar nossa vida de forma a admitir a verdade do Cristianismo sem ficarmos envergonhados com suas implicações. Dispomos as coisas de modo que possamos nos dar razoavelmente bem sem auxílio divino, ao mesmo tempo em que, ostensivamente, o buscamos. Confessamos confiança no Senhor, mas vigiamos atentamente para que nunca sejamos apanhados numa situação em que realmente tenhamos de depender dele. [...] A pseudofé sempre arruma uma saída no caso de Deus falhar. A verdadeira fé conhece apenas um caminho e alegremente permite que seja desprovida de qualquer saída secundária ou substituto paliativo. Para a verdadeira fé, ou é Deus ou colapso total.

 Aqueles que proclamam que Deus está com pressa se parecem mais com Saul, quando esperava pelo profeta atrasado, Samuel (1 Sm 13). Têm receio de que as pessoas acabem se dispersando porque Deus deixou de comparecer no momento apropriado do seu programa cuidadosamente arquitetado e agora estão apavorados, procurando por um "Plano B" para mascarar o "atraso" de Deus e manter sua própria posição. Nunca cogitaram seriamente a possibilidade de que Deus pudesse realmente permitir um fracasso total a fim de refinar sua fé e moldar seu caráter, e não estão dispostos a aceitar tamanha humilhação. Por isso, como Saul, passam para o "Plano B" com conseqüências desastrosas. Você quer realmente aprender a esperar em Deus por libertação? Então cancele o "Plano B" e veja o que Deus fará.

 2. Está disposto a esperar pelo conselho de Deus?

 Cedo, porém, se esqueceram das suas obras; não esperaram o seu conselho; mas deixaram-se levar pela cobiça, no deserto, e tentaram a Deus na solidão. E ele satisfez-lhes o desejo, mas fez definhar as suas almas. Sl 106.13-15.

 Não podemos viver no passado. Tentar viver dos avivamentos de ontem é como comer o maná de ontem. Mesmo assim, há grande benefício em aprender lições de moveres passados do Espírito de Deus. Uma dessas lições a serem aprendidas é que o Espírito de Deus é derramado não sobre aqueles que trabalham pra valer, mas sobre aqueles que esperam pra valer.

 Como os israelitas, nossa tendência é esquecer o que Deus faz por aqueles que esperam pra valer; conseqüentemente, deixamos de "esperar o seu conselho", escolhendo, no lugar disso, perseguir nossos próprios desejos (de volta para o "Plano B").

 Nesse ponto, Deus pode até resolver fazer a "pior coisa possível": dar-nos o que tão desesperadamente cobiçávamos (a palavra no hebraico significa desejar, cobiçar ou almejar fortemente; portanto, ter veemente e ardente apetite por alguma coisa).

 Ah, sim, e não podemos deixar de mencionar que Deus também pode nos enviar alguns de seus "juízos" a fim de ensinar-nos, ao mesmo tempo, a humildade e a importância de esperar por seu conselho. Você duvida? Acha que Deus nunca faria uma coisa dessas a um dos seus? Bem, eu tenho uma falência financeira pessoal, uma execução bancária e uma "manqueira" permanente para me lembrar todos os dias que ele, de fato, "corrige a quem ama".

 Você está disposto a esperar pelo conselho de Deus ou prefere que ele o coloque num curso prático intensivo para descobrir que o que anelamos tão ardentemente nem sempre é o que Deus deseja nos dar?

 3. Está disposto a esperar pela visão que Deus lhe deu?

 O Senhor me respondeu e disse: Escreve a visão, grava-a sobre tábuas, para que a possa ler até quem passa correndo. Porque a visão ainda está para cumprir-se no tempo determinado, mas se apressa para o fim e não falhará; se tardar, espera-o, porque, certamente, virá, não tardará. Hc 2.2,3.

 Deus já lhe mostrou uma visão do alvo que tem para você, daquilo que quer fazer através de sua vida? Já acordou para o fato que essa visão pertencia a Deus, como anseio do seu coração, muito antes de ela ser transmitida para você? No sentido mais verdadeiro, ela nem mesmo pode ser chamada "sua visão". É a visão dele. Deus só permitiu, graciosamente, que você também a enxergasse.

 Você acredita que Deus tem um plano, incluindo um perfeito cronograma, para o cumprimento dessa visão divina? Está disposto a esperar, mesmo que pareça estar demorando muito mais que deveria?

 Durante o Avivamento de Gales de 1904, Evan Roberts confidenciou que havia orado por um avivamento durante mais de 10 anos (desde a idade de 16 anos até os 26, quando o avivamento finalmente chegou). Esse é um tempo bem longo para se ficar orando e esperando!

 Há alguns dias, durante meu período vespertino de oração, tive uma visão da qual eu mesmo fazia parte. Eu estava em pé diante de um grande painel de vidro, como se fosse uma vitrine de loja. Estava do lado de fora, com meu rosto prensado contra o vidro, tal qual uma criança na época do Natal diante de uma loja de brinquedos. No outro lado do vidro, eu via Atos 2.42-47 acontecendo outra vez através de um genuíno mover de Deus nas igrejas nos lares. Contudo, não havia meio de atravessar o vidro! Eu podia ver tudo acontecendo diante dos meus olhos – o Rio de Deus fluindo, a igreja nos lares florescendo – mas eu não sabia como chegar lá.

 Você já sentiu algo semelhante a respeito de uma visão daquilo que Deus queria fazer em e através de sua vida? Então, seja bem-vindo ao mundo maravilhoso de "esperar pra valer" em Deus! "Se tardar, espera-o; porque, certamente, virá, não tardará." Essa é a promessa de Deus. Está disposto a se empenhar em esperar por ela?

 4. Está disposto a esperar por aquilo que Deus já decidiu realizar?

 Esperai-me, pois, a mim, diz o Senhor, no dia em que eu me levantar para o despojo; porque a minha resolução é ajuntar as nações e congregar os reinos, para sobre eles fazer cair a minha maldição e todo o furor da minha ira; pois toda esta terra será devorada pelo fogo do meu zelo.


 Então, darei lábios puros aos povos, para que todos invoquem o nome do Senhor e o sirvam de comum acordo. Sf 3.8,9.

 Este ponto é uma continuação do número 3, esperar na visão que pertence a Deus. Será que realmente apreciamos o fato de que Deus sabe o que está fazendo, especialmente quando nós não sabemos? Deus não depende de outros fatores nem fica confuso, como freqüentemente ocorre conosco. Ele planeja, forma um propósito e o cumpre (em contraste com a maioria das pessoas).

 Quanto à nossa parte, eu gosto de dizer que há duas maneiras de se fazer a vontade de Deus. Podemos fazê-la voluntariamente ou podemos fazê-la involuntariamente. Mas, no fim, todos nós faremos a vontade de Deus. A "boa notícia" é que temos chance agora de escolher entre as duas.

 E o que é a vontade de Deus? Que esperemos por ele (voluntária ou involuntariamente, a escolha é sua).

 5. Está disposto a esperar que Deus o surpreenda?

 Oh! Se fendesses os céus e descesses! Se os montes tremessem na tua presença, como quando o fogo inflama os gravetos, como quando faz ferver as águas, para fazeres notório o teu nome aos teus adversários, de sorte que as nações tremessem da tua presença! Quando fizeste coisas terríveis, que não esperávamos, desceste, e os montes tremeram à tua presença. Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera. Is 64.1-4.

 Essa é uma das grandes passagens sobre "avivamento" nas Escrituras. Quando R. B. Jones escreveu sobre o Avivamento em Gales de 1904, ele deu ao relato o título "Céus Fendidos" e observou na introdução que aquele avivamento fora uma das épocas em que Deus, de fato, respondera a esse clamor de Isaías.

 Observe, porém, duas coisas que a história dos avivamentos confirma. Primeiro, os céus são fendidos para aqueles que esperam por Deus. Segundo, durante tais épocas, Deus sempre faz coisas que surpreendem as pessoas e que excedem a todas suas expectativas. Deus não fende os céus em favor dos que "trabalham pra valer", mas em favor dos que "esperam pra valer". Em que grupo você está?

 6. Você compreende que Deus está esperando... que você espere nele?

 Por isso, o Senhor espera, para ter misericórdia de vós, e se detém, para se compadecer de vós, porque o Senhor é Deus de justiça; bem-aventurados todos os que nele esperam. Is 30.18.

 A palavra no hebraico significa esperar com ansiedade ou expectativa. O sentido desse versículo é: Deus está esperando que nós... esperemos nele.

 Assim, voltamos à nossa pergunta inicial: "Deus está mesmo esperando por nós?" A resposta é "sim", mas não o "sim" que provavelmente esperávamos. Deus, de fato, está esperando por seu povo, mas não para que se empenhe mais em trabalhar pra valer por ele. Pelo contrário, está esperando que nos empenhemos em esperar pra valer por ele. Pois é nesse tempo de esperar pra valer que ele nos revelará sua libertação, dará seu conselho, transformará nossos desejos nos desejos dele (obs: nós é que somos transformados, não ele!), nos preparará para o cumprimento das suas visões, revelará o que já decidiu realizar e nos surpreenderá com "coisas terríveis" que excedam, e muito, a nossas expectativas infantis. Ele realmente está esperando... que esperemos por ele.

 Quanto a mim, estou decidido a esperar (ainda estou trabalhando naquela parte de esperar pacientemente). Não tenho mais interesse em pseudomovimentos, que nada mais são que fruto do melhor esforço, entusiasmo e engenhosidade que o homem consegue produzir. Eu sei, porque já estive lá. Já fiz tudo isso. Vesti a camiseta. Não funcionou. Agora estou atrás de outra coisa...

 Você precisa entender. Tive uma visão. É a visão do Rio de Deus fluindo em poder espetacular através de milhares de igrejas nos lares em milhares de cidades e vilas, exatamente como aconteceu em Atos do segundo ao quarto capítulo, quando aproximadamente 25.000 pessoas foram alcançadas por Cristo. Se havia mais ou menos 25 pessoas em cada igreja caseira, isso significa que nasceram umas mil igrejas nas casas em questão de dias! É a visão desse tipo de mover que estou nutrindo na minha mente.

 Como uma criança no Natal, apertei meu nariz contra a vitrine, contra o vidro do "se tardar, espera-o", que nos separa do cumprimento da visão.

 Às vezes, em frustração, tenho me voltado para o Pai e clamado: "Até quando?"

 E a resposta vem: "Ainda não, filho... mas logo virá... espere por ela (a visão)".

 "Tudo bem, mas está ficando bem mais difícil do que imaginava", eu choro.

 "Eu sei, filho. Você vai ter de confiar em mim nessa questão... só um pouco mais e você se surpreenderá com o que farei... espere por mim."

 Maurice Smith é autor e implantador de igrejas nas casas nos Estados Unidos, onde dirige a Rede Parousia de Igrejas nas Casas (Parousia Network of House Churches). Outros artigos de sua autoria podem ser encontrados (em inglês) no seu site www.parousianetwork.org. Contatos: msmith@parousianetwork.org

por Maurice Smith
 
Seja abençoado em nome de Jesus

Abraço
Roberto

VIAJANDO PELO DESERTO DA SIMPLICIDADE

Viajando pelo Deserto da Simplicidade 

 A cena se desenrola de modo bastante previsível. No quadro final, a heroína rapa a cabeça, toma as vestes brancas e entra na irmandade. Nas histórias chinesas tradicionais, a heroína ou casa e passa o restante dos seus dias proporcionando alegrias ao seu marido e bênçãos aos pais dele com muitos netos, ou desaparece em um convento e passa o restante dos seus dias encontrando paz para sua vida atribulada e insatisfeita. Amor não correspondido ou a morte do prometido a impele a buscar o lado mais simples da vida. O outro lado tratou-a com crueldade, e ela precisa retroceder da complexidade de tudo isso para preservar sua dignidade e honra.

 Entretanto, o anseio por simplicidade nem sempre brota dessas intenções nobres. Em nosso mundo de hoje, é mais provável que ela desponte da frustração com agendas atulhadas, prazos ameaçadores e cento e uma tarefas exigindo que sejam feitas. Não demora para apresentar-se a pergunta: Por que tenho uma vida tão corrida e tortuosa? Em momentos de desespero silente, quando os sentimentos tendem a anuviar o julgamento, repisamos os bons velhos tempos dos nossos antepassados e ansiamos por épocas em que "a vida era simples".

 Tudo isso, é claro, é ilusão. Nossos pais serão os primeiros a nos dizer que sua vida estava longe de ser simples. Na verdade, eles nos invejam por vivermos em uma época em que se faz as compras no conforto de um supermercado com ar-condicionado, e as refeições são preparadas em questão de minutos em um forno de microondas. Para nós é que a vida é fácil, com todas as conveniências modernas. Fácil, entretanto, não é sinônimo de simples. A tecnologia nos abençoou com muitos recursos que economizam tempo. Porém, não tornou a vida mais simples. Talvez até tenha complicado o processo de avançar pela vida. Agora passamos nosso tempo fazendo as coisas para poder fazer outras coisas.

 APERFEIÇOANDO OS MEIOS, ERRANDO OS ALVOS

 Deixe-me dar um exemplo. Ir ao banco hoje é como fazer um lanche. Você pode resolver seus assuntos bancários após o expediente e não precisa ficar horas na fila. É só ir até um dos muitos caixas automáticos colocados em lugares convenientes em seu bairro, a qualquer hora do dia ou da noite, e sacar o que precisa. Melhor ainda, você pode acionar seu banco do conforto do seu próprio lar. É só pegar o telefone, discar alguns números, ou conectar seu computador. Você pode conferir seu saldo, pagar suas contas ou pedir um extrato em questão de segundos.

 A vida, portanto, ficou mais simples? Não. O processo de ir ao banco é tornado mais simples para dar lugar a uma multidão de outros processos. Pagar as contas é facilitado para que você possa pagar as dúzias de contas que aterrissam em sua caixa de correio a cada mês. Em contraste, quando eu cresci em um kampong (vilarejo da Malásia), meus pais se preocupavam apenas com uma conta – o pagamento mensal do arrendamento ao dono da terra (que incluía as ferramentas). Na vida no campo, não tínhamos caixa de correio e, muito menos, contas chegando nela. Meu pai guardava seu dinheiro debaixo do colchão e, portanto, também não precisava se preocupar com serviços bancários.

 A ironia da vida moderna é: enquanto processos isolados são simplificados, o processo geral da vida se torna mais complexo. TV a cabo, fitas de vídeo e discos compactos fazem com que o entretenimento esteja disponível com mais facilidade – mesmo assim, estamos entediados. O aparelho de fax, o telefone celular e a Internet fazem com que a comunicação esteja dentro do alcance imediato – contudo, estamos mais solitários do que antes. Os computadores nos ajudam a fazer nosso trabalho com mais rapidez – entretanto, temos cada vez menos tempo. Ironia sobre ironia! Será que estamos aperfeiçoando os meios sem atingir o alvo? Tédio, solidão e correria são apenas sintomas da complexidade da vida. Não é de se estranhar que estejamos ansiando por simplicidade!

 Em julho de 1974, perto de 2.000 cristãos, representando 151 nações, reuniram-se em Lausanne, na Suíça, para o Congresso Internacional Sobre Evangelização Mundial. Eles firmaram um pacto que incluiu um chamado à simplificação da nossa vida: "Nós que vivemos em circunstâncias de afluência aceitamos nosso dever de desenvolver um estilo de vida simples, de modo a contribuir com mais generosidade para operações de ajuda e de evangelização".

 Seis anos mais tarde, 85 líderes cristãos de 27 países encontraram-se em Hoddesdon para atender a esse chamado. Lembro-me dessa consulta por várias razões. Reunimo-nos em uma mansão bem grande, mas com os quartos parcamente mobiliados e mal aquecidos. A primavera ainda não chegara, e o frio do inverno mantinha-me acordado à noite. Confortei-me com o pensamento de que meu propósito em estar ali era, afinal de contas, viver de modo simples.

 Descobri, porém, que viver de modo simples significava coisas diferentes para as diferentes pessoas. Quando falavam os irmãos das regiões afluentes do mundo, sua voz nunca estava sem um tom de culpa. Ronald J. Sider, autor de Cristãos Ricos em Tempos de Fome e um dos principais oradores, não conseguiu reter as lágrimas durante a sua palestra. Essa manifestação de emoções deixou impressões profundas. Um participante da Índia, porém, achou estranha a melancolia, e sugeriu uma solução: "Se vocês se sentem culpados por terem dinheiro demais, podem dá-lo para nós. Nós não temos esse problema. Faremos bom uso dele".

 É óbvio que ter ou não dinheiro não é a questão. O estilo de vida simples tem a ver com como você o gasta. Os assuntos que discutimos em Hoddesdon eram tão complexos que a declaração final, "Compromisso Evangélico com um Estilo de Vida Simples", ficou sobre a mesa sem ser assinado, apesar de ter passado por debates acalorados. Os participantes sentiam que não podiam assiná-lo sem consultar os membros da sua família, pois o estilo de vida simples não pode ser um esforço individualista. (John Stott, um dos redatores do documento e solteiro, anunciou feliz que não tinha esses empecilhos.) Eu retornei para casa com a renovada resolução de implementar o Compromisso, parte do qual diz:

 Alguns de nós foram chamados para viver entre os pobres, outros para abrir seus lares aos necessitados, mas todos nós estamos decididos a desenvolver um estilo de vida mais simples. Nós pretendemos reexaminar nossas receitas e despesas de modo a viver com menos e dar mais. Não estabelecemos regras ou regulamentos, nem para nós nem para outros. Porém, resolvemos renunciar ao desperdício e opor-nos às extravagâncias na vida pessoal, em termos de vestimenta e moradia, viagens e investimentos nos imóveis da igreja. Também aceitamos a distinção entre necessidades e luxos, hobbies criativos e símbolos de status vazios, modéstia e vaidade, celebrações ocasionais e rotinas normais, e entre servir a Deus e ser escravo da moda. Onde fixar a linha divisória exigirá de nós reflexão conscienciosa e determinação, em conjunto com membros da nossa família.

 UM SÓ OLHO E O CORAÇÃO SINCERO

 De volta ao belo sol de Cingapura, comecei um estudo sobre simplicidade nas Escrituras. Eu sabia que, se não baseasse o fundamento do estilo de vida simples sobre a Palavra de Deus, ele seria apenas mais uma idéia nova que passa com o tempo. Descobri que a simplicidade tem três facetas no Novo Testamento.

 Primeiro, simples significa singular. Na biologia, dizemos que um organismo é simples quando tem apenas uma célula e que um organismo é complexo quando tem muitas células. Simplicidade é unicidade: ter somente um propósito ou ter o coração e a mente voltados para apenas uma coisa. Jesus fala do olho são, bom ("simples", no grego; Mt 6.22), pensando no olho completo, sadio e saudável. Ele é sadio, vê com clareza e o corpo se beneficia. Jesus continua: "Ninguém pode servir a dois senhores" (Mt 6.24). Se o olho vê com clareza, o coração terá uma lealdade bem definida e nítida. Haverá apenas um mestre e um senhor.

 Infelizmente, com freqüência evitamos a escolha que Jesus nos propõe e administramos um estilo de vida de lealdades conflitantes. Submetemo-nos a Cristo em momentos de entusiasmo religioso, porém essa submissão raramente se eleva acima do turbilhão transitório das emoções a ponto de dirigir todo nosso estilo de vida. Um dos efeitos dessa duplicidade de atenção é a ansiedade. Poderíamos ter-nos poupado esse flagelo da sociedade moderna se nosso olho estivesse concentrado em apenas uma coisa e nossa lealdade estivesse clara. "Não vos preocupeis", Jesus ordena repetidas vezes (Mt 6.25,31,34). Em grego, "estar preocupado" deriva de uma raiz que significa "estar dividido em partes, ser puxado em direções diferentes".

 Em lugar da lealdade a um só senhor e de um estilo de vida integrado em torno de um só alvo, temos uma orientação fragmentada que nos puxa em todas as direções. Se ansiamos por simplicidade, temos de começar a simplificar nossas prioridades. Jesus, na continuação, nos ordena: "Buscai, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas" (Mt 6.33).

 Em segundo lugar, ser simples significa ser sincero. O apóstolo Paulo, escrevendo aos crentes de Corinto, afirmou que sua conduta no mundo e entre eles fora "com simplicidade e sinceridade de Deus" (2 Co 1.12, ARC). A integridade de Paulo fora questionada por seus opositores em Corinto, e aqui ele defende a pureza da sua intenção e sua isenção de qualquer engano ou fingimento. O apóstolo Pedro incentivou a mesma coisa na comunidade cristã, o "amor fraternal sem hipocrisia", sem fingimento (1 Pe 1.22). Simplicidade quer dizer não ter nenhuma segunda intenção, nenhum objetivo oculto, nenhuma hipocrisia. O estilo de vida simples exige transparência em nossos motivos e honra em nossas intenções.

 Devo admitir que esse estilo de vida pode nos colocar em desvantagem em algumas situações. Fazer pose e enganar é tão comum no mundo dos negócios e da política que nos vemos tentados a agir da mesma forma. Nessas situações, temos de pedir sabedoria a Deus para sermos simples sem sermos simplistas, espertos sem sermos desonestos, gentis sem sermos ingênuos. Mesmo assim, é melhor, se necessário, perder em termos materiais se, com isso, honramos a Deus e preservamos nossa integridade. O custo do contrário seria muito alto.

 Boa parte do stress da vida moderna é gerada por insinceridade e fingimento. Estamos constantemente tentando, conscientemente ou não, impressionar e iludir. Veja, por exemplo, as festas de casamento suntuosas que se tornam uma desculpa para ostentar riqueza e causar impressão. Alegrar-se junto com o casal está longe da mente de hóspedes que, apertados em um restaurante superlotado e barulhento, vêem a noiva e o noivo apenas de relance e apertam a mão deles na saída, antes de correr para casa para dormir e curar a ressaca. Onde está o valor dos relacionamentos? Está soterrado sob o grande número de mesas que o casal mal pode pagar, o excesso de comida que os convivas não conseguem consumir e um estilo de vida que todo mundo aparentemente tolera.

 DAR COM SIMPLICIDADE

 Em terceiro lugar, ser simples significa ser generoso. "Aquele que distribui seus bens, que o faça com simplicidade" (Rm 12.8), Paulo exortou seus leitores. A mesma palavra para simplicidade é usada em 2 Coríntios 8.2, onde Paulo elogia os macedônios em relação a dar: "No meio da mais severa tribulação, a grande alegria e a extrema pobreza deles transbordaram em rica generosidade" (NVI). Como a simplicidade vem a significar generosidade? A pessoa que é livre de distração, dúvida ou fingimento pode agir com liberdade, com um só propósito e de todo o coração. Quando dá, o faz sem reservas; dá com simplicidade ou generosidade.

 Portanto, o estilo de vida simples começa no nosso relacionamento com Deus (lealdade única), influencia nosso relacionamento com as outras pessoas (amor e sinceridade sem fingimento) e termina no nosso relacionamento com nossas posses (generosidade).

 É claro que as posses em si são neutras. Não são nem certas nem erradas. É o tipo de relacionamento que desenvolvemos com elas que as torna úteis ou prejudiciais. Na maioria das vezes, nosso relacionamento com as coisas é puramente funcional. Usamos máquinas fotográficas com flash e o valorizamos apenas quando cai a noite ou falta luz. Deixamo-lo de lado quando não é necessário. Nosso relacionamento com um objeto também pode ser sentimental. Uma aliança de casamento assume mais valor do que o preço que foi pago por ela. Nós a valorizamos não só como matéria, mas também pelo que simboliza.

 Materialismo não é tanto a abundância de coisas como nossa escravidão a elas. O estilo de vida simples exige que administremos nossas posses de modo responsável, com um distanciamento tranqüilo delas. Lembramos a nós mesmos que elas não são nossas. Não somos donos, apenas administradores. Essa perspectiva nos permite repartir e dar facilmente aos que estão necessitados. A generosidade beneficia o recebedor, mas também enriquece o doador. Quando damos, libertamo-nos do espírito do vício, da posse. Será que nossa vida é mais complexa do que poderia, por termos acumulado demais? Se esse é o caso, temos de simplificar. Dando, simplificamos nossos desejos e reduzimos nossas preocupações.

 COMO APLICAR ISSO EM NOSSAS VIDAS?

 O caminho da simplicidade precisa passar pelo corredor polonês entre a ingenuidade e o cinismo. Depois que voltei da Consulta sobre o Estilo de Vida Simples, fui convidado a dar muitas palestras sobre o assunto. A maioria dos participantes demonstrou um interesse genuíno em cultivar a simplicidade bíblica, mas alguns a consideraram impraticável. Para eles, viver a simplicidade de modo a reverter para um estilo de vida ascético, monástico em uma sociedade acelerada, impelida pelo consumo não funciona.

 Talvez meu erro tenha sido explicar o estilo de vida simples em termos específicos em tempo rápido demais. Lembro de como nos subdividimos em grupos e discutimos tópicos como "comer e comida", "viajar e férias", "casa e móveis", "roupa e moda" etc. Em qualquer exercício acadêmico, as respostas vêm fáceis. As idéias fluem e as listas crescem. Alguns foram ingênuos, pensando que é possível cultivar um estilo de vida apenas fazendo uma lista de coisas. Outros foram cínicos e pensavam que não era possível cultivar um estilo de vida simples. Levei dez anos para chegar a um equilíbrio sobre esse assunto.

 ESPIRITUALIDADE DO DESERTO

 No quarto século da era cristã, com o Edito de Tolerância de 313 d.C, a perseguição oficial da igreja chegou ao fim. Até então, houvera muitos heróis da fé. Os cristãos tinham sido presos, torturados e mortos. Histórias inspirativas de mártires e martírios tinham movido o coração dos fiéis. Com o fim da perseguição, porém, a linhagem dos heróis também terminou. A igreja ficou morna e os fiéis ficaram inquietos. Outro modelo de heróis tornou-se necessário. Foi então que a vida ascética tornou-se popular. O ascetismo, afinal de contas, é uma variante do martírio. Neste, o corpo é entregue à morte. No ascetismo, o corpo é entregue à privação. O asceta, em pouco tempo, substituiu o mártir como herói da fé.

 Nos desertos do Egito, da Arábia, da Palestina e da Síria, o movimento ascético floresceu. Homens e mulheres acorreram ao deserto e se tornaram eremitas. Vivendo sozinhos ou em comunidades, submeteram-se a grandes privações e expuseram-se aos limites da resistência humana. Eles rejeitaram os confortos da cidade e torturaram seu corpo com todos os tipos de dificuldades. Tentavam, com isso, encontrar Deus. O deserto ofereceu o contexto ideal para essas aspirações.

 Os ascetas tornaram-se conhecidos como os Pais do Deserto, e seus ensinos divulgaram um novo gênero literário. Fiéis ao contexto da sua origem, os Ditos dos Pais do Deserto eram simples, incisivos e austeros. Muitas vezes consistiam de uma frase curta, direta e desafiadora. Outras vezes vinham em forma de uma breve história, com uma palavra sucinta de conselho no fim. A linguagem é simples, mas a sabedoria é profunda. Cada ensino é extraído de anos de disciplina e meditação monástica. O conselho dado é sempre prático e consegue penetrar através do que é periférico até o que é fundamental. Os Pais não gastaram nem tempo nem palavras no que não é essencial.

 Os temas básicos dos ensinos dos Pais do Deserto são solidão, silêncio e pobreza. Todos esses temas combinam com o caráter do deserto, um habitat que gerou o que às vezes é chamado de espiritualidade do deserto. É interessante que, apesar de separado por um e meio milênio de tempo, o anseio por simplicidade no coração do antigo eremita e no coração do homem moderno é exatamente o mesmo. No primeiro caso, a perseguição parou e a igreja ficou complacente. No segundo, a afluência predomina e a igreja fica complacente.

 Os cristãos do quarto século fugiram para o deserto; para onde os cristãos de hoje podem fugir? Estamos diante de um dilema. Vivemos em cidades apinhadas de gente; onde podemos ficar a sós? Clamores e barulho nos bombardeiam em cada esquina; onde podemos encontrar silêncio? Cercados por todas as coisas boas da vida, como podemos falar de pobreza? Pensar nisso tudo não é tempo perdido. Quando estudamos os ensinos dos santos do deserto, aprendemos também que a experiência do deserto acontece tanto dentro de nós como fora.

 Mãe Sinclécia (sim, também havia mulheres) declarou: "Há muitos que vivem nas montanhas e se comportam como se estivessem em uma cidade, e estão perdendo seu tempo. É possível estar solitário na mente em meio a uma multidão, e é possível para aquele que vive sozinho estar em meio à multidão dos seus pensamentos" (140, 234).

 O que vale para a solidão vale para o silêncio. O pai Poemen aconselhou: "Obtém-se a vitória sobre todas as aflições que nos acometem, mantendo silêncio". Isso, no entanto, não é toda a verdade. Ele acrescentou: "Alguém pode parecer estar em silêncio, mas se seu coração está condenando outros, ele está falando sem parar. E pode haver outros que falam de manhã até à noite e, mesmo assim, estão em silêncio genuíno, isto é, não dizem nada que não seja aproveitável" (172, 171). O silêncio concerne não apenas aos lábios; se não vier do coração, não é silêncio de verdade.

 Solidão e silêncio são algum tipo de privação: um se abstém de companhia; outro, de palavras. A vida ascética exige ainda outras privações: de comida, casamento, confortos etc. Os ascetas iam a extremos incríveis para negarem-se tudo, exceto as necessidades mais básicas. A fuga para o deserto representa a renúncia às posses mundanas e a libertação das preocupações mundanas.

 Pobreza de posses, porém, não necessariamente é pobreza de espírito. Podemos ser escravizados por cem reais tanto quanto por um milhão. A pobreza vem de dentro, não de fora.

 UM LUGAR PARA COMEÇAR

 Portanto, não temos desculpa. Não precisamos de um deserto literal para cultivar a espiritualidade dos pais do deserto. Podemos fazê-lo em nossas cidades congestionadas, no meio do tráfego barulhento e apesar dos confortos que criamos. Quando Jesus ensinou sobre a oração, ele instruiu seus discípulos: "Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora ao teu Pai que está lá, no segredo; e o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará" (Mt 6.6). Apesar de falar de um lugar privado, temos de lembrar que Jesus estava se dirigindo a pessoas que viviam em casas de uma só peça, sem os quartos reservados que temos hoje em dia. A privacidade refere-se ao coração tanto quanto ao lugar.

 Todavia, para começar, talvez tenhamos necessidade da disciplina externa para cultivar a interna. Talvez tenhamos de procurar um lugar solitário, ter algum tempo de silêncio e desvestir-nos de certas posses materiais. A simplicidade, porém, uma vez formada, será encontrada dentro do coração humano. Apenas então ela se torna um modo de vida. O estilo de vida simples não acontece simplesmente; ele é primeiro cultivado no deserto do coração. Quando a terra fica de pousio, vazia de atividade, deixada sozinha e em silêncio, ela dá muito fruto.

 Ao rever esses dez anos que se passaram, vejo como cresceu minha compreensão da simplicidade. Ela cresceu para além da ingenuidade e amadureceu de fazer para ser. Não é mais fazendo coisas que mostramos que somos simples. É cultivando a simplicidade bem fundo dentro de nós e expressando-a em tudo o que fazemos. Talvez essa seja a coisa mais difícil de fazer para aqueles de nós que vivem em sociedades afluentes. Nossa meta é estar em atividade e fazer coisas. Definimos nossa vida por meio de agendas e programas. Cedo ou tarde, porém, nos deteremos em nossa caminhada e perguntaremos: Por que tenho de viver uma vida tão corrida e tortuosa? Quando isso acontecer, nossa busca da simplicidade terá começado.

 Extraído e condensado do capítulo 6 de "Sabedoria Pastoral", de David Wong, direitos autorais em português do Instituto Haggai do Brasil, edição atualmente esgotada. Em breve será relançado com o título "Sabedoria Espiritual". Pedidos do livro original em inglês, "Journey Mercies", podem ser feitos no site: www.owlnook.com. Maiores informações: Instituto Haggai do Brasil, Rua Buarque de Macedo, 320; Jd. Brasil – CEP:13081-060 Campinas/ SP Tel:. (19) 3741.6161 Site: www.haggai.com.br


por David W. F. Wong
 
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Abraço
Roberto

terça-feira, 30 de março de 2010

A GRANDE PERGUNTA

A Grande Pergunta - 

 Existe uma pergunta que nasce no coração de todos os meninos, bem no início de sua vida. Não é uma pergunta simples, nem tampouco se expressa, já no princípio, de uma forma claramente enunciada. Antes, representa um anseio, um desejo profundo, e exige uma resposta. Se pudéssemos colocá-la em palavras, seria mais ou menos assim: “Tenho o que é necessário para ser homem? Sou capaz?

 Até que um homem tenha plena consciência de que é um homem, tentará provar isso constantemente, enquanto, ao mesmo tempo, fugirá de qualquer coisa que possa revelar que ele não o é. A maioria dos homens passa a vida inteira sentindo-se perseguida pela pergunta, ou deformada pela resposta que recebeu nos seus anos de formação.

 No caso de pais violentos, a pergunta é respondida de modo devastador. “Eu tenho o que é necessário? Eu sou um homem, papai?” “Não, você é um filhinho da mamãe, um tolo, um efeminado, uma gaivota.” Essas são sentenças definidas que moldam a vida de um homem. São feridas de um ataque que entram fundo como um tiro no peito. Podem causar um mal indescritível, especialmente quando envolvem anos de abuso físico, sexual ou verbal.

 Porém, há um outro tipo de resposta. É a resposta do silêncio, da falta de bênção. Os pais podem estar presentes fisicamente, contudo comportam-se como ausentes em relação a seus filhos. O silêncio é ensurdecedor e esmagador. Na verdade, é pior do que ter um pai que foi embora ou do que não ter um pai, pois deixa uma mensagem subliminar para o filho. “Eu tenho o que é necessário? Eu sou um homem, papai?” Como resposta, vem o silêncio. “Não sei... duvido... você terá que descobrir por si mesmo... provavelmente não.”

 Essas feridas, recebidas de forma passiva, podem não ser percebidas de imediato, mas são perniciosas como um câncer. Por serem sutis, freqüentemente nem são reconhecidas como feridas e, por isso, tornam-se muito mais difíceis de serem curadas.

 Você pode matar um organismo vivo, como uma planta, de duas maneiras. Você pode destruí-la agressivamente. Cortá-la, esmagá-la, pisoteá-la. Ou pode fazer de outro modo. Pode simplesmente abandoná-la. Não a regue. A vida requer entrada, suprimento. O abandono mata.

 Nas almas dos homens, a arma da destruição é a vergonha. Quando o pai não abraça, encoraja, guia e protege, o filho cresce pensando: “Meu pai não me dá muito valor. Não devo mesmo ter valor algum”. Ele não se sente como um verdadeiro homem, confiante da sua identidade, com um destino e a capacitação de cumpri-lo. Sente enorme vergonha e ira por ter sido abandonado na sua maior necessidade.

 Este não é um problema exclusivo dos adolescentes ou jovens. A pergunta não desaparece. Não existe uma hora em que o homem supera automaticamente sua crise de identidade. Ainda que tente, durante muitos anos, eliminá-la de sua consciência e apenas “continuar a sua vida”, ele não consegue. É um anseio tão essencial às nossas almas que nos persegue continuamente e brota vez após vez durante a nossa jornada, mesmo depois que achávamos tê-la sufocado terminantemente.

 Tampouco é um problema exclusivo de alguns homens, produto apenas de lares divididos ou pais abusivos. Todo homem carrega a ferida, não importa como sua vida possa parecer boa para quem está de fora, pois ninguém teve pais perfeitos.

 Cada ferida, seja causada por ataques diretos ou por ausência passiva, traz consigo uma mensagem. A mensagem parece final e verdadeira, absolutamente verdadeira, porque é entregue com muita força. A nossa reação a ela molda a nossa personalidade de maneiras muito significativas. Em geral, produz um falso ego. A maioria dos homens vive um falso ego, um fingimento, que está diretamente relacionado à sua ferida.

Extraído e adaptado do livro “Coração Selvagem”, de John Eldredge, CPAD, e de “Curando a Ferida do Pai”, por Gordon Dalbey.

por John Eldredge e Gordon Dalbey
 
Seja abençoado em nome de Jesus

Abraço
Roberto

segunda-feira, 29 de março de 2010

RAIZ DE AMARGURA

Raiz de Amargura

“Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor, atentando diligentemente por que ninguém seja faltoso, separando-se da graça de Deus; nem haja alguma raiz de amargura que, brotando, vos perturbe e, por meio dela, muitos sejam contaminados” (Hb 12.14,15).

A maldição da amargura

A palavra amargura vem do grego pikria, que significa acerbidade, ira, aspereza, descontentamento e irascibilidade. Amargura é resultado de frustração não resolvida causada por ira ou inveja. A palavra chave é frustração.

Amargura não só destrói seu testemunho, mas também contamina outros! A palavra contaminar vem do grego miaino, que significa manchar ou macular, contaminar cerimonial ou moralmente. Torna a pessoa incapaz de manter comunhão com o Senhor, de adorar e servi-lo.

Uma amargura começa como “raiz”. No início, é uma minúscula raiz, muito difícil de ser detectada. Não é grande nem fica na superfície onde possa ser facilmente identificada. Pelo contrário, como um câncer, realiza seu trabalho insidioso lá nas profundezas ocultas, na medula de seu organismo espiritual. Somente depois de espalhar suas metástases é que os sintomas aparecerão em palavras, pensamentos e ações amargas.

A amargura está tomando conta das famílias, da sociedade e das igrejas. As crianças são amarguradas com seus pais. Os pais têm amargura com os filhos. Os divorciados têm amargura com os ex-cônjuges. Os filhos de casais separados estão amargurados porque os pais se divorciaram. Os irmãos têm amargura uns com os outros por rivalidades em questões de afeto ou preferência dos pais e de heranças. Muitas famílias, antes unidas em amor, já foram destruídas pela amargura que brotou depois da leitura de um testamento.  

Há amargura no trabalho. Empregados têm ressentimento uns com os outros e com os superiores. Há inveja entre a classe dos empregados e a classe dos empresários.

Há amargura na igreja. Os membros têm amargura com o pastor. E, lastimavelmente, muitos pastores estão amargurados com suas ovelhas. Amargura entre cristãos por causa de palavras, ações ou atitudes que ferem estão matando e dividindo igrejas.

Pior de tudo, alguns estão amargurados com Deus, com sua Palavra e sua Igreja. A amargura sempre acaba manifestando-se. Todo câncer, mais cedo ou mais tarde, virá à tona.  

O curso da amargura

Você está sofrendo de uma raiz de amargura? Examine-se para ver se possui alguns ou todos os sintomas, os oito Sinais de Amargura.

Sinais de Amargura

Quando a pessoa que o ofendeu entra na mesma sala onde você está, como você reage?

1)     Sente-se inundado por sentimentos negativos, fazendo com que seja obrigado a fingir que está feliz em vê-la?
2)     Vira-se intencionalmente para ignorar e evitá-la?
3)     A mera menção do nome dela deixa um “gosto amargo” em sua boca?
4)     Ressente qualquer notícia de sucesso, qualquer relatório positivo a respeito dela?
5)     Deseja secretamente que sofra fracasso ou infortúnio – ou algo pior?
6)     Lembra-se constantemente dela?
7)     Imagina diálogos com ela em que consegue humilhá-la, colocá-la em seu merecido lugar de derrota?
8)     Tem a tendência de conversar com outras pessoas a respeito das falhas ou erros da pessoa que o ofendeu?

Se tiver qualquer um desses sintomas, você tem – no mínimo – uma raiz de amargura!

Alguém falou ou fez algo que o ofendeu? E, depois, você deixou de lidar com essa situação de acordo com as instruções das Escrituras (Mt 18.15-19)? A amargura começou a criar uma raiz em seu interior? Alguém recebeu (por mérito ou não) algo que você desejava ou achava que merecia? Alguém (um irmão ou uma irmã) está recebendo atenção ou afeto que você sente que merece mas não recebe?

Você permitiu que uma semente amarga germinasse em seu coração e espírito? Está afetando você fisicamente, causando sintomas como pressão alta, insônia, indigestão? (Observação: é claro que nem toda hipertensão é causada por amargura, mas está por trás de uma parcela muito maior de ocorrências do que imaginamos!) Sua família está sofrendo por causa de sua amargura? Outros estão se contaminando por sua causa? Seus filhos já foram infectados? Será que a amargura e rebeldia deles originaram-se de sua amargura? É verdade que você ceifará o que semeou!

Pastores amargurados geram ovelhas amargas. Cônjuges amargurados produzem casamentos amargos. Pais amargurados criam filhos amargos. Filhos amargos destroem e contaminam famílias. Será que você não contaminou outros, involuntariamente, com essa insidiosa doença espiritual? Não se engane: quando a amargura cria raízes, muitos são contaminados! Corações, lares e igrejas já foram destruídos por ela. Precisamos de uma cura! Podemos encontrá-la na Palavra.

A cura da amargura

1. Examine a si mesmo

“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno” (Sl 139.23,24).

Nas palavras de um grande pregador: “Não há dúvida alguma! Se há amargura, o problema está em você”. Ou você errou em palavra, pensamento ou ação – ou errou em sua reação à pessoa que o ofendeu.

Você já pediu a Deus para sondá-lo e purificá-lo do pecado de amargura? Eu lutei com amargura em relação a algumas pessoas na minha igreja. Cinco famílias deixaram nossa comunhão em 1983. Fiquei muito amargurado com elas. Essa raiz de amargura foi crescendo dentro de mim. Havia vários Sinais de Amargura em minha vida. Em 1985, meu apêndice rompeu e tive peritonite – infecção generalizada no abdômen. Os médicos removeram o veneno do meu corpo, e o Senhor usou a experiência para remover o veneno do meu espírito. Se julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.

2. Confesse

“Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9).

Se o médico lhe dissesse que uma verruga de aparência benigna em seu braço era, de fato, um melanoma – a forma mais maligna de câncer de pele –, capaz de espalhar-se para seu fígado, pulmões ou cérebro, você diria: “Ah, deixe ficar e crescer mais um pouco”? Ou você pediria que a removesse imediatamente? E por que você permitiria que uma pequena raiz de amargura permanecesse em seu espírito?

“Porque se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados” (1 Co 11.31).   

3. Confronte

“Se teu irmão pecar contra ti, vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão” (Mt 18.15).

Depois de examinar a SI MESMO e depois de confessar SEU pecado, então – e somente então – é que você pode confrontar com compaixão, no espírito de Cristo, aquele ou aqueles que o ofenderam. Converse com ele (ou eles) em particular.

Muitos cristãos nunca perceberam que ofenderam alguém com palavras ou ações. Você já feriu alguém sem perceber o que fez? Eu já. Portanto, converse com quem o ofendeu, dando-lhe esse desconto, acreditando que podem nem ter percebido o que fizeram. É assim que Jesus agiria, e é isso que ele espera de nós!

4. Fique em paz

“Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens” (Rm 12.18).

Observe que Mateus 18.15 diz: “Se ele te ouvir...” Algumas pessoas não se arrependem. Se não agiram corretamente, e você fez tudo o que deveria ter feito, então você pode ficar em paz. Não há mais nada que possa fazer. Não se aflija. Agora, é problema do ofensor.

5. Seja semelhante a Jesus

“Antes sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus em Cristo vos perdoou” (Ef 4.32).

Perdoe – a fim de ser perdoado. Perdoe como Cristo perdoaria. Ame como Cristo amaria. Ande como Jesus. Converse como Jesus.

Jesus abrigaria uma raiz de amargura em sua vida? E por que você o faria? Você é cristão? Que Deus purifique toda raiz de amargura de nossa vida!

Terry Hagedorn é pastor da “Calvary Baptist Church” no estado de West Virginia, nos EUA. Este artigo foi traduzido do site da igreja: http://mountainmanna.com.
por Terry K. Hagedorn
 
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Abraço
Roberto

PERDÃO "O PODER PARA MUDAR O PASSADO

Perdão – o Poder Para Mudar o Passado 

Na violência criativa do amor, você entra no passado inalterável e corta fora a ofensa da pessoa que o feriu, você apaga o machucado dos arquivos do coração. Quando consegue realmente fazer isso, você faz uma coisa, a única coisa, que pode solucionar a inevitabilidade da dor do seu passado. A graça para fazer isso vem de Deus. A decisão de fazê-lo é sua.

Dois anseios dominam a maior parte das nossas vidas. Ficamos ansiosos diante do passado inalterável; almejamos recriar segmentos das nossas histórias particulares, entretanto somos acorrentados a eles. Ficamos ansiosos, também, diante do futuro imprevisível; desejamos controlar nossos destinos, porém não conseguimos colocá-los sob a nossa gerência. Dessa forma, dois anseios básicos, que estão por trás de quase todos os demais, são frustrados: não somos capazes de alterar o passado doloroso nem controlar o futuro ameaçador. 

Deus oferece duas respostas aos nossos anseios mais profundos. Ele recria nosso passado através de perdoá-lo. Ele controla nosso futuro através de fazer e cumprir promessas. Ao perdoar-nos, muda nosso passado. Ao dar-nos promessas, assegura o nosso futuro. 

Por meio da graça de Deus, podemos partilhar do seu poder para mudar o passado e controlar o futuro. Nós, também, podemos e devemos perdoar. Nós, também, podemos fazer promessas e cumpri-las. Aliás, ao participarmos desses dois poderes divinos, tornamo-nos mais valentemente humanos e mais maravilhosamente livres.
O Que Fazemos Quando Perdoamos? 

Vejo três estágios em todo ato de perdoar: sofrimento, cirurgia espiritual e recomeço. O primeiro estágio, sofrimento, cria as condições que requerem o perdão. No segundo estágio, executamos a ação essencial do perdão que consiste na cirurgia espiritual que o perdoador efetua em sua própria memória. Completamos a ação e a levamos à consumação no terceiro estágio, quando o perdoador recomeça o relacionamento com a pessoa perdoada. 

1. Sofrimento

Ninguém pode realmente perdoar se não foi ferido. Reduzimos o milagre a uma indulgência barata quando dizemos que estamos perdoando pessoas que não chegaram a realmente nos ferir. Ademais, nem todas as injúrias precisam ser perdoadas. Há algumas feridas que podemos engolir, desprezar ou atribuir ao simples risco de sermos vasos de barro num mundo turbulento. Não devemos procurar aplicar o perdão quando o que é necessário é apenas um pouco de generosidade espiritual. Considere os seguintes exemplos:
Irritações. As pessoas nos irritam quando chegam atrasadas aos compromissos, quando contam casos entediantes no almoço ou quando cortam a fila à nossa frente no caixa do supermercado.
 
Derrotas. Algumas pessoas se saem bem em situações em que nós falhamos; conseguem promoções quando somos ignorados; ganham os prêmios cobiçados por nós; sempre parecem estar ali à nossa frente – e para piorar ainda mais, são justamente os nossos amigos.

Desfeitas. As pessoas que são importantes para nós nos ignoram; professores que adorávamos esquecem os nossos nomes dois anos depois da nossa formatura; pastores que amamos nunca nos convidam para seu círculo íntimo; o patrão nem nos convida para o casamento da filha.
Todos esses exemplos podem constituir feridas, mas não são do tipo que requer perdão. Tais porções e fragmentos de sofrimento demandam tolerância, magnanimidade, indulgência, humildade – mas não perdão!

As feridas que requerem perdão são aquelas que são, ao mesmo tempo, profundas e morais. São profundas porque retalham a fibra que nos mantém unidos em relacionamentos humanos. São morais porque são erradas, injustas, intoleráveis. Não podemos passar por cima ou ignorá-las; não podem ser desprezadas, como se fossem insignificantes. Não podemos simplesmente escusá-las como resultado da condição humana.

Há duas espécies de ferida que precisam ser tratadas com o milagre do perdão. São atos de deslealdade e atos de traição. Pode ser que haja outros tipos de ferida que requeiram perdão e que não se enquadrem nessas categorias, mas a maioria se enquadra.

O que é um ato desleal? Uma pessoa é desleal se tratar você como um estranho quando, na verdade, pertence a você como amigo ou parceiro. Todos nós somos ligados a algumas pessoas especiais por meio das fibras invisíveis de lealdade. Os vínculos que possuímos nos dão a nossa identidade: somos o que somos, no sentido mais profundo, por causa das pessoas às quais pertencemos. É por isso que a deslealdade é tão séria. Quando alguém que nos pertence nos trata como estranho, ele cava uma fossa ou edifica uma muralha entre nós dois e, ao mesmo tempo, agride nossa própria identidade. Palavras como “abandonar”, “desamparar” ou “deixar na mão” vêm à mente:

O marido tem um caso com a melhor amiga da sua esposa.
Um parceiro que prometeu ajudar com um empréstimo volta atrás no último momento por causa da chance de obter maior lucro com seu dinheiro em outro lugar.

Seu pai não comparece na cerimônia em que você será premiado por uma realização muito importante.

Todos esses exemplos têm a mesma característica injuriosa em comum: alguém que lhe pertence por alguma promessa declarada ou não declarada o trata como se fosse um estranho.

Aperte o parafuso mais um pouquinho, e a deslealdade torna-se traição. Assim como a deslealdade transforma pessoas que pertencem uma à outra em estranhas, a traição as transforma em inimigas. Somos desleais quando deixamos alguém na mão. Somos traidores quando o retalhamos em pedaços.

Pedro foi desleal quando negou que conhecesse o Senhor.
Judas foi traidor quando entregou Jesus aos seus inimigos.
Você me trai quando pega um segredo que lhe confiei e o revela a alguém que pode usá-lo contra mim.

Você me trai quando, como meu irmão, me envergonha diante de pessoas de destaque, sem que eu tenha qualquer chance de defesa própria.

Esses exemplos têm a mesma característica injuriosa em comum: alguém que tem compromisso de estar ao seu lado age contra você como um inimigo.

2. Cirurgia Espiritual

O segundo estágio do perdão envolve a resposta interior da pessoa ferida àquele que a feriu. 

Embora ocorra na mente e no coração do perdoador, pode nem ser percebida pela pessoa perdoada – pelo menos, não imediatamente. Consiste na operação espiritual que o perdoador precisa executar dentro de sua própria memória.

Quando você perdoa alguém, você recorta o ato danoso, separando-o da pessoa que o praticou. Você desprende a pessoa do seu ato ofensivo. Você a recria. Em um instante, você a identifica, de forma irreversível, como a pessoa que lhe fez o mal. No instante seguinte, você muda essa identidade. Ela é recriada em sua memória.

Você passa a pensar nela, agora, não como a pessoa que lhe causou a ferida, mas como uma pessoa que precisa de você. Você a sente agora, não como a pessoa que o fez sentir rejeitado, mas como alguém que lhe pertence. Antes, você a tachava como uma pessoa extremamente maldosa; agora a vê como alguém que sofre de fraquezas e necessidades. 

Você recria seu passado através de recriar a pessoa cujo erro lhe causou a dor.
Você não tem o poder para recriar a pessoa lá fora, no seu ser, no mundo exterior. O que ela fez está vinculada àquilo que ela é. A ofensa que cometeu está acorrentada à pessoa dela. Contudo, quando você a recria em sua memória, ali, no seu interior, ela foi alterada por meio de cirurgia espiritual.

Deus perdoa dessa mesma forma. Ele nos liberta do pecado assim como uma mãe lava a sujeira do rosto de uma criança, ou como uma pessoa remove um fardo das suas costas, coloca-o sobre um bode e manda o bode correndo para longe, no deserto. As metáforas que a Bíblia usa apontam para uma cirurgia na memória de Deus, que muda o que ele pensa a nosso respeito.

Às vezes, este segundo estágio é o máximo que se pode alcançar. Às vezes, temos de perdoar a pessoas que já faleceram e se foram. Às vezes, precisamos perdoar a pessoas que não querem ou não aceitam nosso perdão. Às vezes, nosso perdão não consegue ir além dessa etapa de realizar uma cirurgia espiritual na nossa memória.

3. Começando de Novo

O milagre do perdão começa quando duas pessoas distanciadas recomeçam seu relacionamento. Um homem estende a mão para a filha alijada e diz: “Quero ser seu pai outra vez”. Uma mulher estende sua mão e diz: “Quero ser sua esposa, sua companheira outra vez. Vamos nos reconciliar, vamos pertencer um ao outro novamente”.

Reconciliação é o religamento entre pessoas que estavam rompidas, mas pertencem uma à outra. É o início de uma nova jornada juntas. Precisamos recomeçar do ponto em que estivermos, não esperar por um ponto ideal para nos religarmos. Ainda não compreendemos bem o que aconteceu. Há pontas soltas que não foram amarradas. Perguntas embaraçosas e dolorosas ainda não foram respondidas. O futuro é incerto; sem dúvida, ainda causaremos dor uma à outra e precisaremos experimentar outras vezes o perdão. Mas temos de recomeçar no ponto onde estivermos. 

Como Perdoamos?

Sinto-me na obrigação de dizer algo sobre como se perdoa – mas não posso; não sei como perdoar. Alguém disse que o perdão, como o amor, pertence-nos apenas de “mentirinha”; essencialmente não conseguimos praticá-los.

Talvez seja verdade. Entretanto, praticamo-los assim mesmo – às vezes! Como amadores desajeitados, com certeza, mas, apesar de tudo, amamos e perdoamos.
Quero apontar, apenas, três coisas que tenho notado a respeito das pessoas que perdoam:

1. Perdoam lentamente. 

Pode ser que existam alguns perdoadores instantâneos, mas são muito raros. Não devemos esperar a capacidade de perdoar feridas profundas muito rapidamente.

C. S. Lewis tinha um professor quando era menino que era um monstro. Ele guardou ódio contra aquele sadista acadêmico durante quase toda sua vida. Poucos meses antes do final de sua vida, Lewis escreveu para sua amiga americana: “Prezada Mary... Foi só há poucas semanas que descobri, de repente, que havia finalmente perdoado aquele professor cruel que lançou uma nuvem tão escura sobre minha infância. Fazia muitos anos que eu tentava fazer isso”.

Essencialmente, não somos capazes de perdoar; mas, depois de um tempo, torna-se possível. Deus leva muito tempo com tantas coisas. Por que não deveríamos ter paciência com nós mesmos quando se trata de um milagre tão imenso como o perdoar?

2. Perdoam em comunidade. 

Será que alguém consegue perdoar sozinho? Acho que eu não seria capaz. Preciso de pessoas que sentem a dor que eu sinto, que odeiam como eu odeio. Preciso de pessoas que precisam lutar tanto quanto eu para alcançar a disposição de perdoar. Eu só conheço o processo coletivo para alcançar o perdão. Se você consegue chegar lá sozinho, ótimo; contudo, se não conseguir se livrar do videoteipe da dor do passado, procure uma comunidade de perdoadores lentos. Eles vão saber ajudá-lo.

3. Eles perdoam à medida que são perdoados. 

Na prática, a pessoa que perdoa não consegue distinguir muito entre o sentimento de ser perdoado e de perdoar. Somos uma mistura tão grande de pecador e vítima de outros pecadores que é impossível perdoar as pessoas que nos ofendem sem sentir que nós também estamos sendo libertos.
Esperar para alguém se arrepender antes de lhe perdoarmos é entregar o nosso futuro à pessoa que nos feriu.
Perdoar é:

Colocar no chão uma mochila de 20 kg depois de subir 15 km numa encosta de montanha.
Libertar um prisioneiro e descobrir que o prisioneiro era você.

Dançar ao ritmo do coração perdoador de Deus.
Nosso único escape da injustiça cruel do passado e nossa única passagem às possibilidades criativas do futuro.

O poder mais criativo concedido ao espírito humano e o poder de curar as feridas de um passado que não se pode mudar.

Uma jornada: quanto mais profunda a ferida, mais longa ela será.
A cura da dor e não a tentativa de evitá-la. 

Lewis Smedes (1921-2002) era professor de teologia e ética em Fulness Seminary, na Califórnia, EUA, e autor de vários livros, como “Forgive and Forget” (Perdoe e Esqueça) e “The Art of Forgiving” (A Arte de Perdoar). Este artigo apareceu originalmente na edição de 7 de janeiro de 1983, da revista “Christianity Today”. Traduzido e publicado com permissão de Christianity Today International, Carol Stream, IL, EUA. Para mais informações acesse www.christianitytoday.com.
por Lewis B. Smedes
 
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Abraço
Roberto